Boate Kiss

Quando estudamos Segurança Contra Incêndio é natural que olhemos para os grandes Incêndios… a Boate Kiss é um deles.

É necessário um grande aprofundamento nos fatos com o objetivo de saber as causas destes.

Os resultados desses estudos devem servir de base para novas regulamentações públicas com o objetivo de evitar tragédias como a Boate Kiss.

Neste trabalho, o objetivo será responder duas principais perguntas:

O que havia de errado com a Boate Kiss?

O que poderia ter evitado a situação?

Para responder a estas perguntas necessitamos passar por pelo menos 21 itens, observe (LUIZ, 2015):

Veja o vídeo do nosso canal sobre os erros na Boate Kiss


1. Show Pirotécnico em Ambiente Fechado

Apesar de haver material pirotécnico específico para ambientes fechados, o estabelecimento deve possuir permissão para usá-lo.

Vídeos e depoimentos comprovaram o uso de um material não autorizado na Boate Kiss

 

2. Uso de Material Pirotécnico Inadequado

O estabelecimento que vendeu o material pirotécnico relatou que ofereceu ao produtor da banda o material correto para uso em ambientes fechados, o qual custava cerca de R$50,00.

Porém o produtor optou pela compra do material mais barato, chamado “Chuva de Prata”, que não é indicado para o uso em ambientes fechados.

 

3. O Revestimento Acústico da Boate Kiss

Revestimento acústico sem o tratamento antichama foi a principal causa da propagação rápida do princípio de incêndio.

A queima do revestimento liberou gases tóxicos, principalmente cianeto, que foi a maior causa das 242 mortes.

 

4. Falha no Extintor de Incêndio

Segundo Major Gerson Freitas Marques, uma semana antes, em uma comemoração do aniversário de uma das funcionárias da Boate Kiss, um dos extintores de Incêndio de água foi acionado sobre a aniversariante. (CORPO DE BOMBEIROS – DIVISÃO DE PESQUISA DAT, 2014).

Para mais informações sobre Extintores de Incêndio assista o vídeo do nosso canal:

 

5. Não Houve Aviso de Incêndio

O vocalista da banda percebeu o início do incêndio, mas não alarmou o público em nenhum momento.

A polícia destacou que este ato poderia ter salvado mais vidas, dando maior tempo para que as pessoas pudessem sair do interior da Boate Kiss.

Para mais informações sobre Alarmes de incêndio assista o vídeo do nosso canal:

6. Superlotação

A Boate Kiss tinha capacidade máxima de 691 pessoas.

Porém a Brigada Militar do Rio Grande do Sul chegou a conclusão que havia mais de mil pessoas no momento da tragédia.

Os registros do hospital comprovam a superlotação pois indicam o atendimento de 864 pessoas.

 

7. Saída de emergência

Havia apenas uma saída de emergência.

Quando recorremos à Norma (NBR 9077), verificamos que ela orienta duas saídas em lados opostos.

O laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) ainda concluiu que a saída da Boate Kiss deveria ser bem maior do que era … 4,4 m ao invés de 2,56 m.

 

8. Obstáculos Impediram a Saída.

A Boate Kiss possuía grades para direcionar as pessoas no processo de entrada.

Segundo a Polícia Civil, a disposição das grades e paredes fazia com que a boate virasse um verdadeiro labirinto.

Como agravante, elas estreitavam a largura da porta de saída principal e de passagem entre os salões.

O projeto das rotas de fuga foi negligenciado.

Os peritos do IGP também chegaram a conclusão que entre todas as rotas de fuga, apenas uma tinha menos de 20 m, apesar da norma orientar que elas não devem ultrapassar 10 m.

 

9. Saída Barrada por Seguranças

Mais de 80 vítimas relataram que os seguranças da Boate Kiss barraram a saída das pessoas. Isso fez com o que houvesse um atraso na desocupação do ambiente.

Em uma boate, os seguranças podem e devem passar por treinamento para se integrarem na brigada de incêndio.

Isso gera capacidade de atuar não somente no momento do incêndio como também em avaliações prévias dos riscos existentes no estabelecimento.

Segundo o major Gerson Freitas, um dos seguranças deu o primeiro combate nas proximidades do palco, mas faltou uma comunicação entre este segurança e os seguranças que estavam na porta.

Tudo indica que o segurança que estava na porta não tinha conhecimento prévio do que estava acontecendo naquele momento e travou momentaneamente a saída das pessoas que escapavam.

Assim que o segurança soube do incêndio ele deixou a saída liberada, mas este tempo, foi provavelmente, responsável por maior tempo de escape das pessoas que estavam no interior.

Para saber mais sobre Brigada de Incêndio veja o vídeo do nosso canal USCI

 

10. Sinalização de Emergência Inadequada

Assim que a energia elétrica foi cortada a iluminação de emergência não foi acionada.

Em um ambiente como este, a sinalização e iluminação de emergência são primordiais para manter uma orientação para os que se deslocam.

É importante ainda perceber que a iluminação de emergência no solo também tem um papel muito importante, pois leva os usuários à rota de fuga com maior disciplina.

 

11. Sistema de Controle de Fumaça Inexistente

O prédio que funcionava a Boate Kiss havia passado por diversas modificações arquitetônicas.

Nos projetos iniciais havia janela e exautores, que faziam parte do Sistema de Controle de Fumaça, que não foram instalados.

E graças ainda a estas modificações as paredes se tornaram muito espessas, ou seja, houve aumento significativo de sua espessura inicial, tornando-a muito difícil para perfurar e garantir uma aeração no momento das ações da brigada militar.

Os peritos do IGP também concluíram que a boate não dispunha de chuveiros automáticos (sprinklers)

Para saber mais como funciona o Sistema de Controle de Fumaça veja este vídeo do nosso Canal USCI.

12. Falta de Treinamento do Pessoal

A legislação local exigia que os funcionários recebessem treinamento para agir em caso de
emergências, acontece que nenhum dos funcionários havia passado por nenhum tipo de treinamento.

Foi apontado ainda pelo CREA-RS que os funcionários não tinham nenhum modo de comunicação entre eles, uma comunicação eficiente faria com que diminuísse o pânico gerado, aumentando assim a eficiência do escape da população deste ambiente.

 

13. Obras Sem Autorização ou Responsável Técnico

A Boate Kiss passou por obras que não contaram com um responsável técnico e foram feitas sem autorização.

O proprietário reformou com o objetivo de diminuir o som emitido para o exterior da boate, alterando o material de acabamento de forma a negligenciar o projeto inicial.

A espuma utilizada para o revestimento acústico foi a responsável pela morte de todas as 242 vítimas.

14. Fiscalização

Logo após o incêndio da Boate Kiss, outras 70 boates foram fechadas no Rio Grande do Sul.

O Corpo de Bombeiros Militar ou qualquer outro órgão fiscalizador, de uma forma geral, sofre pressões para liberar instalações para funcionamento imediato.

No caso da Boate Kiss, em levantamento feito pelo Ministério Público, foram descobertas irregularidades em, pelo menos, quatro diferentes tipos de alvarás e liberações, entre elas o alvará emitido pelo Corpo de Bombeiros. Ainda foi provado que, durante 3 ocasiões, a boate funcionou sem a devida autorização.

Em uma destas ocasiões, entre 2010 e 2011, a boate funcionou sem alvará por 9 meses.

15. Falhas na Concessão de Alvarás

Outro erro fatal foram as concessões de alvarás irregulares.  A principal falha na concessão do alvará, apontada pelo CREA-RS, foi a permissão da saída única.

Uma instalação onde há shows noturnos nunca deveria ser liberada com uma apenas uma saída.

Em palestra, o Major Gerson destacou que o CREA-RS havia culpado a fiscalização do corpo de bombeiros pelas grades existentes, chamou a atenção que o sargento que havia feito essa vistoria era bem experimentado e que nunca liberaria uma instalação com uso destas grades, as quais foram colocadas após a vistoria.

16. Documento Fraudado

Há muitos proprietários que teimam em negligenciar exigências básicas para garantir o quanto antes a liberação de seu espaço.

O Ministério Público descobriu que um documento de permissão da vizinhando para o funcionamento da Boate Kiss continha a assinaturas de laranjas.

17. Alvará Contra Incêndio Emitido por Software

Um software padrão gerenciava a emissão de alvarás na cidade de Santa Maria e em outras cidades do interior do RS. O inquérito da Polícia Civil apontou que o software era falho elevava do número de vistorias deixando a segurança do ambiente para um segundo plano.

18. Falta de Máscaras Para Equipamento de Ar Respirável

A polícia também concluiu falha na estrutura da brigada militar do RS.

Alguns bombeiros não puderam entrar na boate porque não havia a quantidade necessária de equipamentos de respiração autônoma.

Segundo a polícia, apenas 6 equipamentos estavam aptos para uso, mas eram necessários 21 aparelhos para dar possibilidade a todos os bombeiros entrarem no ambiente.

19. Acordo com o Ministério Público

Segundo Major Gerson, um dos erros fatais para a tragédia da Boate Kiss foi o Termo de Ajustamento de Conduta que envolveu a boate, a população local e o MP.

O termo trouxe o ajuste de uma conduta a qual deixou os Bombeiros Militares de fora.

A boate queria inibir o ruído emitido para seu exterior, portanto instalou espumas acústicas e aumentaram a espessura das paredes para obter melhor isolamento acústico. O incêndio se propagou principalmente pelo alto, através do contato do material pirotécnico com a espuma.

20. Efeito Manada

Após o Incêndio, foi constatado que muitos corpos estavam no banheiro, provavelmente pelo efeito manada.

Esse efeito ocorre em ambientes onde há o pânico, o qual uma pessoa toma uma direção e todos os outros a seguem.

Em seguida várias pessoas tomam a mesma direção sem ter a certeza para onde estão indo.

21. Ar condicionado

O ar condicionado da Boate Kiss favoreceu a propagação da fumaça.

Alguns depoimentos citam que o ar condicionado estava emitindo uma fumaça muito escura mesmo antes de chegar o fogo.

O especialista, Prof. Moacir Duarte, apontou que o ar condicionado retirou parte da fumaça do ambiente que estava em um ambiente e levou para outros.

CONCLUSÃO Boate Kiss

Após o incêndio da Boate Kiss, a fiscalização ficou mais exigente e foi responsável pelo fechamento de 70 boates no RS.

Foi assim em grande parte do país onde várias casas de show foram fechadas.

Será que, hoje, esses estabelecimentos estão de acordo com as normas de combate a incêndio?

O poder público deu algumas respostas interessantes após o incêndio da Boate Kiss.

Alguns estados atualizaram suas legislações locais e as tornaram mais rígidas. Houve ainda a Lei Federal 13425/2017, conhecida como Lei Kiss.

Por menor que seja ela, aponta algumas obrigatoriedades que antes não se falavam.

Esse triste episódio serve de motivação para nos especializarmos cada vez mais com o objetivo de dar suporte aos projetos e de combate a Incêndio.

Devemos fazer a nossa parte denunciando locais que oferecem riscos a vida.

A Boate Kiss fica como estudo de caso para garantir que novas ocorrências como essas não se tornem reais.

REFERÊNCIA

ABDALA, M. M. Comparação das medidas de segurança contra incêndio exigidas para uma edificação com boate e agência bancária segundo a CPI (2001) e o CSCIP (2015). 2016. B.S. thesis – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, 2016. Disponível em: <http://repositorio.roca.utfpr.edu.br/jspui/handle/1/6885>. Acesso em: 19 jul. 2017.

CORPO DE BOMBEIROS – DIVISÃO DE PESQUISA DAT. Estudo de Caso de Sinistro (Incêndio na Boate Kiss Santa Maria – RS). . [S.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ASOlZxnsqQ0>. Acesso em: 24 jul. 2017. , 9 out. 2014

LUIZ, M. 24 erros que contribuíram para tragédia na Kiss. Disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2015/01/dois-anos-depois-veja-24-erros-que-contribuiram-para-tragedia-na-kiss.html>. Acesso em: 24 jul. 2017.


Fabrício Nogueira
Fabrício Nogueira

Especialista em Normas de Segurança Contra Incêndio com experiência em treinamentos e grandes instalações desde 2010. Fundador do Canal Universidade Segurança Contra Incêndio. Engenheiro Produção Formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

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